José Manuel Moran
Especialista em projetos inovadores na educação presencial e a distância
Publicado na revista Tecnologia Educacional. Rio de Janeiro, vol. 23, n.126, setembro-outubro
1995, p. 24-26
jmmoran@usp.br
O fascínio pelas tecnologias
Lemos, com freqüência, que as
tecnologias de comunicação estão provocando profundas mudanças em todas as
dimensões da nossa vida. Elas vêm colaborando, sem dúvida, para modificar o
mundo. A máquina a vapor, a eletricidade, o telefone, o carro, o avião, a
televisão, o computador, as redes eletrônicas contribuíram para a
extraordinária expansão do capitalismo, para o fortalecimento do modelo
urbano, para a diminuição das distâncias. Mas, na essência, não são as
tecnologias que mudam a sociedade, mas a sua utilização dentro do modo de
produção capitalista, que busca o lucro, a expansão, a internacionalização de
tudo o que tem valor econômico.
Os mecanismos intrínsecos de expansão do
capitalismo apressam a difusão das tecnologias, que podem gerar ou veicular
todas as formas de lucro. Por isso há interesse em ampliar o alcance da sua
difusão, para poder atingir o maior número possível das pessoas
economicamente produtivas, isto é, das que podem consumir.
O capitalismo visa essencialmente o
lucro. Tanto as tecnologias -o hardware- como os serviços que elas propiciam
-os programas de utilização- crescem pela organização empresarial que está
por trás e que as torna viáveis numa economia de escala. Isto é, quanto maior
a sua expansão no mercado mundial, mais baratas se tornam
e, com isso, mais acessíveis.
As tecnologias viabilizam novas formas
produtivas. As redes de comunicação permitem o processo de distribuição
"just in time", em tempo real, com baixos
estoques. Permitem a produção compartilhada, o groupware, permitem o aparecimento do tele-trabalho
-poder estar conectado remotamente à sede da empresa e a outros setores,
situados em lugares diferentes. Mas tudo isso são formas de expressão da
expansão capitalista na busca de novos mercados, de racionalizar custos, de
ganhar mais.
A rede Internet foi concebida para uso
militar. Com medo do perigo nuclear, os cientistas criaram uma estruturação
de acesso não hierarquizada, para poder sobreviver no caso de uma hecatombe.
Ao ser implantada a rede nas universidades, esse modelo não vertical se
manteve e com isso propiciou-se a criação de inúmeras formas de comunicação
não previstas inicialmente. Todos procuram seus semelhantes, seus interesses.
Cada um busca a sua "turma".Ninguém impõe o que você deve acessar
na rede. Nela você encontra desde o racismo mais agressivo ou a pornografia
mais deslavada até discussões sérias sobre temas científicos inovadores.
A Internet continua sendo uma rede para
uso militar. Também continua sendo utilizada para pesquisa no mundo
inteiro.Mas agora existe também para todo tipo de negócios e formas de
comunicação. A tecnologia basicamente é a mesma, mas hoje está mais
acessível, com mais opções, mais mercados, mais pessoas.
É possível criar usos múltiplos e
diferenciados para as tecnologias. Nisso está o seu encantamento, o seu poder
de sedução. Os produtores pesquisam o que nos interessa e o criam, adaptam e
distribuem para aproximá-lo de nós. A sociedade, aos poucos,parte do uso inicial, previsto, para outras utilizações inovadoras ou
inesperadas. Podemos fazer coisas diferentes com as mesmas
tecnologias. Com a Internet podemos comunicar -nos -enviar e receber mensagens- podemos buscar informações, podemos
fazer propaganda, ganhar dinheiro, divertir-nos ou vagar curiosos, como voyeurs, pelo
mundo virtual.
Há um novo re-encantamento pelas
tecnologias porque participamos de uma interação muito mais intensa entre o
real e o virtual.Me comunico realmente -estou
conectado efetivamente com milhares de computadores- e ao mesmo tempo, minha
comunicação é virtual: eu permaneço aqui, na minha casa ou escritório, navego
sem mover-me, trago dados que já estão prontos, converso com pessoas que não
conheço e que talvez nunca verei ou encontrarei de novo.
Há um novo
re-encantamento, porque estamos numa fase de reorganização em todas as
dimensões da sociedade, do econômico ao político; do educacional ao familiar.
Percebemos que os valores estão mudando, que o referencial teórico com o qual
avaliávamos tudo não consegue dar-nos explicações satisfatórias como antes. A
economia é muito mais dinâmica. Há uma ruptura visível entre a riqueza
produtiva e a riqueza financeira. Há mudanças na relação entre capital e
trabalho. Na política diminui a importância do conceito de nação, e aumenta o
de globalização, de mundialização, de inserção em
políticas mais amplas. Os partidos políticos tornam-se pouco representativos
dessa nova realidade. A sociedade procura através de movimentos sociais, ONGs, novas formas de participação e expressão. E ao mesmo tempo que nos sentimos mais cosmopolitas -porque
recebemos influências do mundo inteiro em todos os níveis- procuramos
encontrar a nossa identidade no regional, no local e no pessoal; procuramos o
nosso espaço diferencial dentro da padronização mundial tanto no nível de
país como no individual.
Mudanças que
as tecnologias de comunicação favorecem
Cada tecnologia modifica algumas
dimensões da nossa inter-relação com o mundo, da percepção da realidade, da
interação com o tempo e o espaço. Antigamente o telefone interurbano -por ser
caro e demorado- era usado para casos extremos. A nossa expectativa em
relação ao interurbano se limitava a casos de urgência, economizando
telegraficamente o tempo de conexão.Com o barateamento das chamadas, falar
para outro estado ou país vai tornando-se mais habitual, e ao acrescentar o
fax ao telefone, podemos enviar e receber também textos e desenhos de forma
instantânea e prazerosa.
O telefone celular vem dando-nos uma
mobilidade inimaginável alguns anos atrás. Posso ser alcançado,se quiser, ou
conectar-me com qualquer lugar sem depender de ter um cabo ou rede física por
perto. A miniaturização das tecnologias de comunicação vem permitindo uma
grande maleabilidade, mobilidade, personalização (vide walkman,
celular, notebook...), que facilitam a
individualização dos processos de comunicação, o estar sempre disponível
(alcançável), em qualquer lugar e horário. Essas tecnologias portáteis
expressam de forma patente a ênfase do capitalismo
no individual mais do que no coletivo, a valorização da liberdade de escolha,
de eu poder agir, seguindo a minha vontade. Elas vêem de encontro a forças
poderosas, instintivas, primitivas dentro de nós, às quais somos extremamente
sensíveis e que, por isso, conseguem fácil aceitação social.
A tecnologia de redes eletrônicas
modifica profundamente o conceito de tempo e espaço. Posso morar em um lugar
isolado e estar sempre ligado aos grandes centros de pesquisa, às grandes
bibliotecas, aos colegas de profissão, a inúmeros serviços. Posso fazer boa
parte do trabalho sem sair de casa. Posso levar o notebook
para a praia e, enquanto descanso, pesquisar, comunicar-me, trabalhar com
outras pessoas à distância. São possibilidades reais inimagináveis há
pouquíssimos anos e que estabelecem novos elos, situações, serviços, que,
dependerão da aceitação de cada um, para efetivamente funcionar.
Para atualizar-me profissionalmente
posso acessar cursos à distância via computador, receber materiais escritos e
audiovisuais pelo WWW (tela gráfica da Internet, que pode
captar e transmitir imagens, sons e textos). Estamos começando a
utilizar a videoconferência na rede, que possibilita a várias pessoas, em
lugares bem diferentes, ver-se, comunicar-se, trabalhar juntas, trocar
informações, aprender e ensinar. Muitas atividades que nos tomavam tempo e
implicavam em deslocamentos, filas e outros aborrecimentos, vamos poder
resolvê-las através de redes, esteja onde estiver. Até há
poucos anos íamos várias vezes por semana ao banco, para depositar, sacar,
pagar contas...
Hoje em alguns terminais eletrônicos
podemos realizar as mesas tarefas. Estamos começando a fazer as mesmas
tarefas sem sair de casa. Também estamos começando a poder fazer o
supermercado sem sair de casa, a comprar qualquer objeto via tele-marketing.
Isto significa que o que antes justificava muitas das
nossas saídas, hoje não é mais necessário.
A partir de agora, só sairemos quando achar-mos conveniente, mas não para fazer coisas externas
por obrigação. Sairemos porque queremos, não por imposição das
circunstâncias.
Cada inovação tecnológica bem sucedida
modifica os padrões de lidar com a realidade anterior, muda o patamar de
exigências do uso. Com o aumento do número de câmeras, torna-se normal
mostrar, no futebol, vôlei ou basquete, a mesma cena com vários pontos de
vista, de vários ângulos diferentes. Quando isso não acontece, quando um gol
não é mostrado muitas vezes e de diversos ângulos, sentimo-nos frustrados e
cobramos providências. Antes do replay precisávamos ir ao campo para assistir
um jogo.
Com a televisão ao vivo, sem videotape, dependíamos da câmera não ter perdido o lance
e só podíamos assisti-lo uma vez. Depois o replay foi uma grande inovação,
mas era difícil de operar e ficávamos felizes quando havia uma repetição -a
mesma- do mesmo lance. Hoje repetir, com muitas câmeras, que nos dão diversos
pontos de vista é o normal e foi incorporado a narrativa.Nossas
expectativas vão modificando-se com o aperfeiçoamento da tecnologia.
Uma mudança significativa -que vem
acentuando-se nos últimos anos - é a necessidade de comunicar-nos através de
sons, imagens e textos, integrando mensagens e tecnologias multimídia. O cinema
começou como imagem preto e branco. Depois
incorporou o som, a imagem colorida, a tela grande, o som estéreo. A
televisão passou do preto e branco para o colorido, do mono para o estéreo,
da tela curva para a plana, da imagem confusa para a alta definição.Estamos
passando dos sistemas analógicos de produção e transmissão para os digitais.
O computador está integrando todas as telas antes dispersas, tornando-se,
simultaneamente, um instrumento de trabalho, de comunicação e de lazer. A
mesma tela serve para ver um programa de televisão, fazer compras, enviar
mensagens, participar de uma videoconferência.
A comunicação torna-se mais e mais
sensorial, mais e mais multidimensional, mais e mais não linear. As técnicas
de apresentação são mais fáceis hoje e mais atraentes do que anos atrás, o
que aumentará o padrão de exigência para mostrar qualquer trabalho através de
sistemas multimídia. O som não será um acessório, mas uma parte integral da
narrativa. O texto na tela aumentará de importância, pela sua maleabilidade,
facilidade de correção, de cópia, de deslocamento e de transmissão.
Com o aperfeiçoamento nos próximos anos
da fala através do computador e como não necessitaremos de um teclado, dependeremos
menos da escrita e mais da voz. Dependeremos menos do inglês para
comunicar-nos porque disporemos de programas de tradução simultânea.
Com o aperfeiçoamento da realidade
virtual, simularemos todas as situações possíveis, exacerbaremos a nossa relação
com os sentidos, com a intuição. Vamos ter motivos de fascinação e de
alienação. Podemos comunicar-nos mais ou alienar-nos muito mais facilmente
que antes. Se queremos fugir, encontraremos muitas
realidades virtuais para fugir, para viver sozinhos. Nossa mente é a melhor
tecnologia, infinitamente superior em complexidade ao melhor computador,
porque pensa, relaciona, sente, intui e pode surpreender. Por isso o grande re-encantamento temos que fazê-lo conosco, com a
nossa mente e corpo, integrando nossos sentidos, emoções e razão. Valorizando
o sensorial, o emocional e o lógico. Desenvolvendo atitudes positivas, modos
de perceber, sentir e comunicar-nos mais livres, ricos, profundos. Essa
atitude re-encantada de viver potencializará ainda mais nossa vida pessoal e
comunitária, ao fazer um uso libertador dessas tecnologias maravilhosas e não
um uso consumista, de fuga.
As tecnologias de comunicação não mudam
necessariamente a relação pedagógica. As Tecnologias tanto servem para reforçar
uma visão conservadora, individualista como uma
visão progressista. A pessoa autoritária utilizará o computador para reforçar
ainda mais o seu controle sobre os outros. Por outro lado, uma
mente aberta, interativa, participativa encontrará nas tecnologias
ferramentas maravilhosas de ampliar a interação.
As tecnologias de comunicação não
substituem o professor, mas modificam algumas das suas funções. A tarefa de
passar informações pode ser deixada aos bancos de dados, livros, vídeos,
programas em CD. O professor se transforma agora no estimulador da
curiosidade do aluno por querer conhecer, por pesquisar, por buscar a
informação mais relevante. Num segundo momento, coordena o processo de
apresentação dos resultados pelos alunos. Depois, questiona alguns dos dados
apresentados, contextualiza os resultados, os adapta à realidade dos alunos,
questiona os dados apresentados. Transforma informação em conhecimento e
conhecimento em saber, em vida, em sabedoria -o conhecimento com ética.
As tecnologias permitem um novo
encantamento na escola, ao abrir suas paredes e possibilitar que alunos
conversem e pesquisem com outros alunos da mesma cidade, país ou do exterior,
no seu próprio ritmo. O mesmo acontece com os professores. Os trabalhos de
pesquisa podem ser compartilhados por outros alunos e divulgados
instantaneamente na rede para quem quiser.Alunos e professores encontram
inúmeras bibliotecas eletrônicas, revistas on line, com muitos textos, imagens e
sons, que facilitam a tarefa de preparar as aulas, fazer trabalhos de
pesquisa e ter materiais atraentes para apresentação. O professor pode estar
mais próximo do aluno. Pode receber mensagens com dúvidas, pode passar
informações complementares para determinados alunos. Pode adaptar a sua aula
para o ritmo de cada aluno.Pode procurar ajuda em outros colegas sobre
problemas que surgem, novos programas para a sua área de conhecimento. O
processo de ensino-aprendizagem pode ganhar assim um dinamismo, inovação e
poder de comunicação inusitados.
O re-encantamento, em fim, não reside
principalmente nas tecnologias -cada vez mais sedutoras- mas em nós mesmos,
na capacidade em tornar-nos pessoas plenas, num mundo em grandes mudanças e
que nos solicita a um consumismo devorador e pernicioso. É maravilhoso
crescer, evoluir, comunicar-se plenamente com tantas tecnologias de apoio. É
frustrante, por outro lado, constatar que muitos só utilizam essas
tecnologias nas suas dimensões mais superficiais, alienantes ou autoritárias.
O re-encantamento, em grande parte, vai depender de nós.
Bibliografia:
- GARDNER, Howard.
As estruturas da mente. Porto Alegre: Editora Artes
Médicas, 1994.
- MORAN, José Manuel. Interferências dos
Meios de Comunicação no nosso Conhecimento. INTERCOM Revista Brasileira de
Comunicação. São Paulo, XVII (2):38-49, julho-dezembro 1994.
- NEGROPONTE, Nicholas. A vida digital.
São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
- POSTMAN, Neil. Tecnopólio;
A rendição da cultura à tecnologia. São Paulo: Nobel, 1994.
-RECODER, Maria-José et
alii. Informação Eletrônica e Novas Tecnologias.
São Paulo: Summus, 1995.
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